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Cara a cara com uma Ninja

Junho de 2013. Manifestações populares explodem por todo o Brasil.

De dentro dos protestos brotam imagens, transmissões ao vivo ininterruptas. Câmera na mão. Telefone na mão. Microfone aberto. Um personagem entra em cena: o Mídia Ninja. Rosto coberto, ele está em toda parte. E de repente, todos são Ninjas. Heróis instantâneos, críticas instantâneas. Quatro anos depois, a Mídia Ninja é uma rede com 1,5 milhão de seguidores e se tornou referência para uma nova forma de fazer jornalismo. Ninja - Narrativas Independentes Jornalismo e Ação atua em mais de 250 cidades do Brasil. Possui uma sofisticada organização, onde não há chefes, mas lideranças, e coloca em prática uma das maiores utopias sociais: a vida em comunidade onde o coletivo prevalece e trabalhar não se dissocia de viver. Dríade Aguiar, de 26 anos, é uma das criadoras da Mídia Ninja. Ela fez uma palestra hoje, sexta-feira, dia 5 de maio, na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a convite da professora Ivana Bentes.

As manifestações de 2013 representaram um marco para a Mídia Ninja, mas não sua origem. O começo dessa história se dá em 2005 com a criação do coletivo Fora do Eixo. O objetivo do grupo era fazer produção cultural voltada para música em diferentes cidades do interior do Brasil, mais precisamente, Cuiabá (MT), Rio Branco (AC) e Uberlândia (MG).

Aos 16 anos, Dríade ingressou no Fora do Eixo. Nascida na periferia de Cuiabá, ela conta que sua família apostava nela para ser a primeira integrante a frequentar uma universidade. Ela tentou: cursou História por dois meses, pediu para sair e nunca mais voltou. De onde nunca saiu foi da vida em coletividade e da produção cultural.

Segundo seu relato, o Fora do Eixo começou como um grupo formado por três coletivos musicais, com atuação em rede. Quando se deram conta, já eram 100 e outras artes passaram a fazer parte. Estabilizados em cidades pequenas, um núcleo rumou para conquistar São Paulo. Era 2011 e lá foi Dríade.

“Alugamos uma casa onde moravam 20 pessoas e começamos a produzir shows. Em um mês, estávamos estabilizados. Conseguimos derrubar o mito de que produção independente era coisa mal feita, com pouca qualidade. Nós começamos a atuar como mídia porque ninguém divulgava o que o Fora do Eixo fazia. Em São Paulo, ampliamos o foco. Começamos a acompanhar os movimentos sociais e produzir conteúdo. Por dois anos, fomos uma agência de conteúdo social em São Paulo”, explica ela, que fala muito, muito rápido, e que um dia chegou a sonhar em ser professora de Português, como o pai.

Em 2012, o jornalista Bruno Torturra passou a frequentar a casa Fora do Eixo em São Paulo e estimulou o grupo não mais a ser produtor de conteúdo para terceiros, mas para si próprio. Um ano depois, surgia a Mídia Ninja, lançada, oficialmente, durante a cobertura do Fórum Social Mundial realizado na Turquia. Em seguida, Ninjas foram vistos no Egito, nas manifestações populares contra o Governo; em julgamentos de casos de assassinatos de lideranças populares no Brasil onde o resto da imprensa era barrada e, no Rio, a poucos metros de distância do Papa Francisco - o que resultou na primeira prisão de um integrante do grupo.

As manifestações de 2013 explodiram e Ninjas se tornaram onipresentes, cobrindo os protestos em várias cidades do Brasil. Dríade conta como se deu o milagre da multiplicação Ninja:

“As manifestações foram nossa virada tecnológica. Nossa proposta foi cobrir 100 atos por dia, em todo o Brasil. Ousamos isso porque, pelo Fora do Eixo, cobríamos o Grito Rock, um evento realizado em rede, ao mesmo tempo, em 400 cidades diferentes em todo o mundo”.

E a pergunta que não quer calar: como os Ninjas são remunerados? Na verdade, não são. Ninguém do Mídia Ninja recebe salário. Todo o dinheiro que entra, a maior parte vinda dos trabalhos feitos pelo Fora do Eixo, vai para um fundo coletivo, gerido por um banco coletivo. Esse banco administra as despesas de 19 “casas Ninjas”, espalhadas pelo Brasil – a do Rio de Janeiro fica em Santa Teresa. Em cada uma delas, 20 moradores. Ninguém paga para morar ali. Existe um esquema de ajuda de custo diária. Nessas casas comunitárias, já foram geradas (e moram) sete crianças.

O que o Mídia Ninja faz é reproduzir o esquema de vida coletiva criado pelo Fora do Eixo. Em 2013, mesmo, uma ex-integrante acusou o grupo de ser formado por “escravos pós- modernos”. Dríade respondeu publicamente a essa crítica e admite que a vida em coletividade, “é uma experiência radical”. E é nessa experiência que ela vive há dez anos.

O grupo também recebe doações individuais e verba de fundos internacionais para desenvolvimento de projetos específicos em comunicação.

Quanto à rotina de trabalho, é tão frenética quanto a produção que se vê nas redes Ninja. Dríade, por exemplo, é coordenadora e gestora das redes sociais do grupo, editora para assuntos de mulher e negritude (ao todo, são 21 editorias temáticas) e colunista.

No aplicativo de mensagens Telegram, o grupo mantém 73 chats onde a produção de conteúdo é debatida ao longo do dia. Há também os “atendimentos” inbox, de pessoas que mandam conteúdos, de todos os tipos e lugares.

Na Mídia Ninja, não há “espontaneismo”. Tudo é organizado, sistematizado, analisado, organizado. Na opinião de Dríade, é essa sistematização “que permite pirar”. Em termos hierárquicos, não há chefes, mas lideranças de projetos, com muita gestão de organização e espaço. Sim, o Mídia Ninja trabalha com fluxograma. Não há horário pré determinado de trabalho. Sim, “existem choques o tempo inteiro”.

“Não somos um veículo de comunicação, somos um meio social de comunicação. Nossa missão é contar histórias. E contamos diferentes histórias de diferentes ângulos. Não somos uma mídia de massa onde um ponto fala com muitos, somos uma massa de mídia, onde vários pontos falam com muitas pessoas. Nossa estética vem da cultura. Aprendemos a fazer foto fotografando shows”.

De tempos em tempos, a Mídia Ninja abre editais para ocupação das casas. Vinte pessoas ao todo, por um período de um mês, para avaliações. Dríade recomenda que a aproximação junto ao grupo seja “gradativa” para que os dois lados se (re)conheçam. Na próxima segunda-feira, dia 8, por exemplo, será lançado um edital para cobertura de um festival em Goiânia.

“Todo mundo tem um potencial comunicador, então, todo mundo pode ser Ninja. Porém, ser Ninja também significa estar pronto para mudar os planos a qualquer momento. Para ser Ninja, tem que gostar de contar histórias e se conectar com pessoas. Estamos abertos a todos os tipos de colaboração em todas as plataformas. Tenha tempo e queira estar com a gente que você será um Ninja”.

Veja um dos vídeos viralizados do grupo: Prisão do repórter Ninja

Leia o artigo de Dríade Aguiar "Eu sou uma das escravas do Fora do Eixo"

Conheça o Fora do Eixo

Conheça o Grito Rock

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