Em pleno Carnaval, um grupo de mulheres colocou o bloco na rua, arrancou gritos de “É campeã” e, dentre elas, uma foi a grande destaque da temporada. Estou me referindo à Seleção Brasileira de Rugby Sevens e à jogadora Beatriz Futuro.
No último dia 19 de fevereiro, a equipe conquistou seu 12º título Sul-Americano consecutivo. O campeonato foi na Argentina e o jogo final foi contra a equipe “anfitriã”. No rugby feminino, o Brasil sempre venceu a Argentina nos jogos oficiais.
Quatro dias depois, Beatriz Futuro, mais conhecida como Baby, foi escolhida melhor atleta de rugby de 2016 pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Aqui vale uma ressalva: melhor atleta, ou seja, escolhida levando-se em consideração as categorias feminina e masculina do esporte, no Brasil. Um grande presente para quem fez aniversário três dias após o anúncio da premiação.
“Recebi esse prêmio com muita honra. Quando se trata de um esporte coletivo, fica difícil destacar uma melhor jogadora. A gente luta, sofre muito juntas. O rugby não tem um Neymar, ou seja, quem faz tudo em campo quase que sozinho. Eu preciso muito das minhas amigas para fazer o que preciso fazer e elas precisam de mim. É uma honra receber esse prêmio ainda mais no ano das Olimpíadas, quando todos os atletas estavam empenhados em ter a melhor performance possível. É uma honra para mim, para minha família que sempre me apoiou, para o meu time e para a própria seleção que estava comigo nesse ano de 2016 que foi tão duro”, diz Baby que, em 2009, já tinha sido escolhida Melhor Atleta da América do Sul.
A cerimônia do Prêmio Brasil Olímpico está prevista para ser realizada no próximo dia 29 de março, no Rio de Janeiro. Até lá, Baby seguirá sua rotina de treinos e jogos dentro do Circuito Mundial de Rugby que, no momento, acontece em Las Vegas, nos Estados Unidos. As outras etapas serão disputadas, ao longo do ano, no Japão, Canadá e França.
O Brasil conquistou o direito de participar, pela primeira vez, como time fixo do Circuito Mundial, por ter terminado em 9 º nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Em 2016, o rugby voltou às Olimpíadas depois de uma ausência de 92 anos. Baby acredita que essa boa fase do esporte no país está despertando a atenção dos jovens para a prática do rugby. A estimativa da Confederação Brasileira de Rugby é que existam 60 mil praticantes, no país.
Em 2004, quando Baby foi convocada para fazer parte da primeira seleção brasileira de rugby, existiam, no máximo, 5 mil praticantes do esporte. De onde veio esse interesse pelo rugby, Baby?
“O que me chamou a atenção no rugby foi o dinamismo do jogo. Minha irmã Cristiana (ex-jogadora da seleção e hoje árbitra) já jogava há um ano e um dia fui vê-la em campo. Eu tinha 13 anos. Sempre fui uma criança que gostava de esporte. Minha mãe me colocou para nadar, fazer capoeira, aula de circo... O rugby usa o corpo inteiro: você levanta, passa bola, chuta, corre. Fiquei interessada e curiosa e quis aprender a jogar”, contou.
Um ano depois do dia que decidiu jogar rugby, ela participou de um campeonato. Mais cinco ano e veio a seleção brasileira.
SA: Não acha o rugby um esporte violento?
BF: Não é violento, é agressivo. Violento é o MMA, que para vencer é preciso agredir o adversário. O rugby tem uma bola e um objetivo: atravessar a linha do campo e botar a bola lá. O objetivo da defesa é não deixar passar, te derrubando, e o do ataque é procurar espaços para chegar na linha de fundo. O rugby é agressivo porque tem que derrubar a pessoa correndo. Porém, há várias regras para proteger o jogador. Não pode derrubar de qualquer jeito. Não pode soco, não pode carrinho. Diria que o rugby é um esporte que tem um cavalheirismo na agressividade.
Baby joga como pilar. Suas principais habilidades estão nas disputas de bola parada. Sua função é manter a posse de bola para o time ou tentar roubá-la do adversário. Como atleta, sua rotina é rigorosa. Diariamente, a primeira coisa que faz após acordar é se pesar. Depois mede batimentos cardíacos, faz exercícios de mobilidade, ativação no campo, exercícios na academia, exercícios de habilidade específica, fisioterapia. Segundo ela, como uma jogadora de rugby “está sempre com alguma pancada ou pé torcido”, tem que se cuidar o tempo todo.
A jogadora, que acabou de completar 31 anos, afirma que o rugby feminino não tem limite de idade para ser jogado. Cada uma segue em campo “até onde o coração mandar e o corpinho aguentar”.
Nascida no Rio de Janeiro, Baby integra a equipe do Niterói Rugby, vencedora de vários campeonatos brasileiros. Entre uma competição e outra, se formou em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde 2014, mora em São Paulo, mais especificamente, na cidade de São José dos Campos, onde fica o Centro de Treinamento da seleção brasileira de rugby.
Ela tem consciência de que sua realidade é bem diferente da maioria das jogadoras dos vários times do país, “que sofrem com falta de estrutura”. Isso, porém, não significa ausência de problemas:
“O rugby feminino ainda sofre com falta de incentivo financeiro, visibilidade e igualdade de oportunidades. O rugby masculino tem muito mais divulgação do que o feminino. Lutamos contra isso e vai chegar uma hora que essa situação vai mudar porque as mulheres formam um grande mercado consumidor. Quando as empresas perceberem essa oportunidade para vender, vão mudar a mentalidade porque é disso que se trata para eles”.
SA: Existe preconceito contra jogadoras de rugby por parte do público?
BF: Com certeza, ainda há muito preconceito. O rugby é visto como um esporte masculino por conta do seu embate físico, da pancada. Muita gente não consegue entender que seja um esporte também de mulher. A questão é que mulher pode praticar qualquer esporte que quiser. Já quebramos muitas barreiras, mas xingar as jogadoras, chamar de sapatão e comentários desse tipo rolam ainda hoje. Nós usamos isso como ferramenta de empoderamento porque estamos correndo atrás dos nossos sonhos
E por falar em sonho, o de Baby era justamente participar de uma Olimpíada, ou seja, realizado. Para 2017, seu objetivo é garantir uma excelente participação do Brasil no Circuito. Segundo a jogadora, essa será a “melhor preparação possível” para o Mundial de 2018.
E para quem tiver curiosidade a respeito do rugby, Baby sugere apenas uma coisa: experimentar.
“Quando se vê um jogo de rugby pela primeira vez, geralmente, não se entende muito bem e parece que é só pancadaria. Mas não é. Bote a mão na bola. Ela não é tão pesada quanto parece e a pancada não é tão doída quanto parece. O rugby é muito divertido”.
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