Gerenciar um restaurante espacial com a missão de servir os clientes mais exigentes da Galáxia.
Essa é a missão de um jogador do Space Cantina, jogo de tabuleiro criado pelos cariocas Fel Barros, de 32 anos, e Warny Marçano, de 34 anos. Lançado em 2016, foi eleito o melhor jogo nacional pelo site Tábula Quadrada, especializado em games, que acabou de divulgar o ranking dos melhores do ano passado.
No Space Cantina, o jogador vai ter que lidar com garçons, gerentes, maitres, cozinheiros e clientes. Vai ter que decidir se despede ou promove um funcionário antigo. Optar por servir ou não determinados tipos de comida; ter ou não delivery e lidar com graus diversos de insatisfação. O jogo termina depois das rodadas indicadas e a saideira, quando os jogadores podem servir um último cliente, caso possua recursos para isso.
“É um jogo com uma curva de aprendizagem muito boa, com novas possibilidades aparecendo a cada jogo. Decisões erradas trazem consequências ruins para a pontuação final. Você realmente precisa participar das trilhas o melhor que puder e tentar completar as demandas, pois dão muitos pontos no final. Há várias possibilidades de pontuar e conseguir ganhar o jogo. As mecânicas se encaixam. É dinâmico e fácil de aprender. Além disso, a arte é simplesmente incrível, com referências diretas aos principais personagens da cultura geek, que vai dos quadrinhos ao cinema”, avalia Renato Lopes, um dos responsáveis pelo Tábula Quadrada.
Os geeks têm grande responsabilidade pelo “renascimento” dos jogos de tabuleiro no Brasil. Segundo Lopes, ano passado, foram lançados cerca de 200 títulos, quase o dobro dos lançamentos dos últimos anos. Esse segmento representa cerca de 10% do mercado de brinquedos, no país, o que correspondente um giro de R$ 500 milhões, por ano, na economia.
Uma característica dessa nova leva de jogos de tabuleiros é não deixar apenas a sorte decidir a partida. As habilidades de cada um, nos mais diversos setores, são fundamentais para definir um vencedor. Além disso, não há violência envolvida. E quanto mais esses jogos se firmam, mais surgem locais onde seus fãs se reúnem para a realização de campeonatos.
Quem diria que os tabuleiros iriam sobreviver em tempos de videogames!
“Videogames e jogos de tabuleiro são universos paralelos. Acredito que como o videogame é muito solitário, acabou por fortalecer o tabuleiro, pelo aspecto social mesmo do jogo”, afirma Fel Barros, um ex-professor de Letras que deu aulas por dez anos e, atualmente, mora em São Paulo (à direita na foto). “Larguei tudo para abrir uma empresa de jogos em uma incubadora. Não deu certo na incubadora, sai, abri minha própria empresa e lancei o meu jogo no Catarse. O resto é história ;)”
Bate-papo com Felipe Barros, mais conhecido como Fel Barros
SA: Como avalia o Space Cantina ter sido escolhido o melhor jogo de 2016?
FB: Foi uma grande surpresa pra gente. Ano passado, grandes títulos foram lançados e como o Cantina saiu mais perto do fim do ano, não sabíamos se haveria tempo útil para brigar com os 'grandes' lançamentos.
SA: O jogo é quase um estágio em administração de restaurantes. Qual foi o seu ponto de partida ou sua motivação para esse tema?
FB: O tema veio de uma ideia do Warny de fazer um jogo baseado no programa de TV "Masterchef". Para dar mais originalidade , ambientamos em uma praça de alimentação no espaço, o que foi uma decisão muito acertada. O pessoal adora o tema.
SA: Qual o principal fator para o sucesso deste jogo?
FB: Nunca tem um fator só. Durante o Kickante, foi basicamente arte, tema e uma mecânica que atrai o pessoal (alocação de dados) somado a uma boa reputação na comunidade. Depois de lançado, é a mecânica que segura o interesse. Há diversas maneiras de pontuar, muita coisa para ser descoberta e a assimetria dos restaurantes mantém o interesse em "testar agora aquele novo".
SA: Quem são os fãs do Space Cantina?
FB: São jogadores mais "hardcore" porque o jogo não é simples e também fãs de ficção científica, já que o jogo é repleto de referências do gênero.
SA: Quantos jogos já criou ao todo?
FB: Hoje em dia, trabalho majoritariamente como desenvolvedor para a Cool Mini or Not, mas como criador, eu tenho 8 títulos publicados (um por imprime-e-jogue). Tenho mais alguns na fila, mas ainda não posso comentar sobre esses ;)
SA: Qual sua formação e desde quando cria jogos?
FB: Minha formação é em Letras, fiz UFRJ e fui professor por 10 anos. Em 2011, eu abandonei a magistratura para trabalhar com jogos, porém, minha primeira criação publicada foi em 2014. Eu tenho vários cadernos e tentativas que datam de 2001-2004, mas 'profissionalmente' comecei em 2013, quando decidi que publicaria o Warzoo.
SA: Qual seu jogo favorito atualmente e qual era seu jogo favorito na infância?
FB: Meu jogo favorito chama-se Imperial: você é um investidor sem coração na primeira Guerra Mundial. É meu favorito há quase 8 anos sem nunca perder o posto. Na minha infância , eu só tinha acesso aos clássicos e joguei muito todos eles, mas um que eu tenho uma memória especial, de jogar muitas e muitas vezes, é o Atentado no Cassino, um jogo da Game Office. Não tentei jogá-lo depois de virar profissional para não arruinar a memória afetiva.
SA: Como avalia o mercado de jogos de tabuleiro no Brasil?
FB: Ainda é muito imaturo. Eu fui mal interpretado na última vez que disse isso, mas continua verdade. Todas as partes envolvidas ainda estão começando, seja o público, seja as editoras e os designers. É tudo muito recente. O boom do Brasil veio com a Galápagos que é uma empresa que explodiu em 2012-2013.
SA: Qual seu próximo lançamento e para quando?
FB: Este ano sai o Medievalia , o último jogo da coleção de pequenos da Ace Studios, além do meu primeiro jogo 'grande' com a Cool Mini or Not, chamado Gekido. Estou bastante ansioso para o primeiro lançamento grande internacional.
SA: Este ano terá algum evento reunindo fãs do Space Cantina?
FB: Especificamente do Space Cantina não, mas sempre tentamos reunir a equipe e os jogadores em eventos para prestigiar o jogo e autografar cópias.
SA: Que dicas você dá para quem tem vontade de trabalhar criando jogos?
FB:1) Jogue o máximo de jogos possível. Eu passei dos 900 importados e tenho bagagem para comparar/procurar inspiração.
2) Coloque na mesa o quanto antes. É muito comum as pessoas se perderem criando manual, histórias e desenhos e não fazer o mais importante que é de fato jogar.
SA: Qual o maior desafio na criação de um jogo?
FB: Terminar. É um processo muito longo, doloroso, cheio de contra-tempos. É muito fácil desistir no meio ou não saber a hora de parar. Acontece até com designers experientes.
SA: Rolou uma partida somente entre você e Warny? Quem venceu?
FB: Eu e Warny testamos bastante para 2 jogadores, porque era muito importante que funcionasse com esse número. Há uma boa quantidade de vitórias para cada lado, mas ele venceu mais do que eu, com certeza.
Bate-papo com Warny Marçano
SA: Qual sua formação e desde quando cria jogos? WM: Sou formado em Matemática e, desde criança, fazia jogos para jogar sozinho ou com amigos, principalmente de corrida. Meu projeto final da faculdade foi a criação de 3 jogos educativos. Depois, conheci os jogos modernos e passei a criar jogos com mecânicas inovadoras que nunca tinha visto até então.
SA: Quantos jogos já criou? WM: Já lancei 2 jogos, o Sapotagem e o Space Cantina. Tenho outros projetos que crio desde 2007, porém ainda não tem vínculo com alguma editora.
SA: Como se deu a parceria com Felipe para a criação do Space Cantina? WM: Sou amigo do Fel desde 2007 e conhecemos praticamente juntos esse mundo dos jogos de tabuleiro modernos. Criamos um evento de jogos juntos, a Torre das Peças, que já tem 90 edições. Lá no começo, já mostrávamos um para o outro nossas criações, no tempo que ainda nem tinham editoras nacionais. Depois de 2011, quando o mercado cresceu, o Fel fundou a Ace Studios e começamos a trabalhar no card game Sapotagem. Fazemos parte também de um grupo de desenvolvimento de jogos, chamado Mansão das Peças, no Rio de Janeiro, onde moro. Quando eu trouxe o primeiro protótipo do Space Cantina (que nem tinha ainda esse nome) lá na Mansão, surgiu nossa primeira conversa para fazermos juntos também esse jogo.
SA: O que foi o mais desafiador no desenvolvimento desse jogo? WM: Em vários momentos na etapa de criação, precisamos abandonar algumas ideias que simplesmente não se encaixavam na ideia geral do jogo. Cortar algumas regras para que o jogo não ficasse complexo demais também foi um desafio.
SA: Como recebeu a informação de que o Space tinha sido escolhido o melhor jogo nacional de 2016? WM: Foi muito gratificante pois acaba coroando um trabalho de 1 ano e meio, entre desenvolvimento e apresentação do jogo em eventos. Fiquei muito feliz quando soube da notícia.
SA: Quais seus projetos para 2017? WM: Estou com 3 projetos com a Ace Studios, um inclusive de corrida. Tem também um jogo encomendado pela Toia, que deve ser lançado em abril. Infelizmente não posso falar muitos detalhes ainda.
SA: Felipe contou que vocês dois jogaram muito o Cantina para ajudar no desenvolvimento e ele disse que você ganhou a maior parte das vezes. Qual o pulo do gato para vencer esse jogo? WM: Um dos segredos é fazer uma boa sinergia entre seu objetivo, seu restaurante e as demandas. E tentar marcar os adversários que têm maior chance de vitória. No Space Cantina, você tem que se virar com os funcionários que estão disponíveis para contratar e para atender toda uma variedade de clientes que aparecem. O Fel também ganha muitas vezes, principalmente com o restaurante favorito dele, o Bar Memórias (rs).
SA: Que dicas dá para quem quer se lançar como desenvolvedor de jogos de tabuleiro? WM: Junte-se a colegas que também criam jogos, troquem ideias, formem um grupo de testes. A Mansão é um grupo de desenvolvimento de jogos que me ajuda muito. E somos simplesmente um grupo de amigos que se juntou para ajudar a todos crescerem. O resultado, já estamos vendo, com o lançamento de vários jogos de membros da Mansão, como Gekido e Rock'n Roll Manager.
SA:Qual seu jogo preferido de todos os tempos? WM: Meu jogo preferido é Puerto Rico.
Geek, verbete
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Conheça a Mansão das Peças