Virou lugar comum, no Brasil, falar muito mal de 2016,
principalmente quando o assunto é economia. Porém, apesar desse cenário de crise, se teve um segmento que viu luz no fim do túnel foi o de cervejas especiais. Em dezembro passado, o Instituto da Cerveja do Brasil divulgou o resultado de uma pesquisa, feita durante dois anos. O levantamento mostra, com números, o que a turma cervejeira percebeu na prática: o setor vive um momento de euforia.
De acordo com o estudo, o Brasil fechou 2015 com 372 cervejarias artesanais, 17% a mais em relação a 2014. Foram criadas cerca de 50 cervejarias artesanais por ano, ou uma média de uma por semana. O ICB estima que, até o final de 2017, o país tenha “pelo menos” 500 cervejarias artesanais.
São empresas de micro porte que estão puxando esse movimento. As maiores têm produção máxima de 20 mil litros por mês. Quando o estudo fala em cervejaria, isso não deve ser confundido com fábrica. Por serem micros, levam suas preciosas receitas da bebida para serem produzidas em fábricas de terceiros. São as chamadas cervejarias ciganas. Esse movimento fez a festa de empresas maiores, diminuindo capacidade ociosa de fábricas. E animou empresários a investir nesses equipamentos. No momento, no Rio, duas estão sendo construídas: em Saquarema, na Região dos Lagos, e em Itacoatiara, em Niterói, perto de outra há anos em funcionamento na cidade e que pertence à cervejaria Noi.
Mas, de onde surgiu tanta gente para produzir cerveja? Pelo menos no Estado do Rio de Janeiro, a resposta já foi dada pela Firjan. Em 2015, a Federação das Indústrias fez um levantamento sobre o setor e concluiu que 87,2% dos cervejeiros do Rio de Janeiro que ainda não estavam no mercado pretendiam comercializar seus produtos.
Na maioria dos casos, tudo começa como um hobby, quando os cervejeiros são carinhosamente chamados de “paneleiros”. Foi assim com o jornalista carioca Affonso Nunes, por exemplo. Na sua primeira experiência, usou um fogareiro de camping para fazer a parte quente do processo de produção da bebida. Deu certo e ele foi se aprimorando. O resultado? Hoje ele é um dos sócios da loja de insumos e equipamentos JacuMaltes, a primeira do tipo na Zona Sul do Rio.
“O que nos move é o orgulho de resgatar uma tradição, de fazer uma cerveja e levar para beber com amigos. No meu caso, minha cerveja foi tendo aceitação e o hobby ficou autossustentável. Com o aumento da produção, senti dificuldade de achar os insumos que queria. Percebi que uma loja era um nicho de mercado e decidi pagar para ver”, conta ele.
Aberta em novembro passado, no bairro do Flamengo, a JacuMaltes é a caçula do mercado carioca. Porém, já se tornou uma espécie de embaixada informal dos cervejeiros do Estado. Em pouco tempo, o local virou uma central de lançamento de rótulos.
Integrante da Associação dos Cervejeiros Caseiros da Zona Sul (atualmente com 256 membros), Nunes informa que no Rio de Janeiro existem 85 microcervejarias que produzem 160 rótulos diferentes. Ele e os sócios na JacuMaltes, Samuel Brandão e Nicholas Dyckerhoff pretendem, em breve, contribuir com mais um rótulo nesse mercado.
“Fazemos questão de orientar os cervejeiros para que eles não cometam os erros que nós cometemos. Quem é caseiro é impaciente. No meu caso, na primeira experiência, abria o recipiente toda hora para ver se a cerveja estava boa. Resultado: estragou”, conta Nunes que informa que a bebida leva cerca de um mês para ficar pronta. E, sim, é possível ser paneleiro na cozinha de um apartamento.
E para quem está se perguntando o que é Jacu, Nunes explica: uma ave, “parente da galinha”, mas que diferente da “prima”, voa. Como alguns “frequentam” a fazenda da família de Nicholas, em Petrópolis, acabou por batizar o negócio dos amigos cervejeiros.
Da esquerda para a direita, Affonso Nunes, Nicholas Dyckerhoff e Samuel Brandão. Nas prateleiras da JacuMaltes, só tem autorização para "pousar" cervejas especiais do Rio de Janeiro
Do outro lado da Baia da Guanabara
Em Niterói, a Malteria Araribóia, aberta em abril passado, no Centro, praticamente repete a história da JacuMaltes com uma diferença: eles criaram a Cervejaria Araribóia e já lançaram um rótulo: a Itacoá Summer Ale.
O empresário David Tosta, um dos sócios da Malteria, conta que também abriu a loja para facilitar o acesso aos insumos e equipamento que, enquanto “paneleiro”, precisava. Ele lembra que, há quatro anos, só existiam duas lojas do tipo no Rio. Agora, somando a dele e a JacuMaltes já são mais cinco em funcionamento.
“Conheci as cervejas artesanais há cerca de nove anos. E sempre dá vontade de conhecer mais e mais rótulos. Até que dá vontade de fazer a própria cerveja. Eu comecei a produzir como hobby há três anos e meio. Como paneleiro, já fiz uns dez estilos diferentes. O processo de fabricação de cerveja é simples, mas com muitos detalhes. O mais importante é o cuidado com a sanitização de tudo, ao longo do processo. O cervejeiro é curioso, sempre quer aprender mais, experimentar mais”, conta Tosta, vice-presidente da Acerva Niterói, unidade regional da Acerva Carioca - Associação dos Cervejeiros Artesanais Cariocas. Ele tem como sócio na loja seu irmão Marcos. Ambos também são sócios da cervejaria junto com os sommeliers Guilherme Rebello e Alisson Christi, o presidente da Acerva Niterói.
Se o processo de produção de cerveja é simples, transformar em realidade o sonho da cervejaria própria é complexo. Requer muito planejamento, um razoável montante de dinheiro e paciência. No caso deles, foram cinco meses de preparação e muitas visitas a fábricas para decidir onde a nova “cigana” de Niterói iria aportar – a escolhida foi da cervejaria Mistura Clássica, em Angras dos Reis, Costa Verde do Rio de Janeiro.
O primeiro rótulo nasceu a partir de uma receita base de Alisson, mas todos os sócios deram seus palpites. A primeira “tiragem” foi de mil litros. Somente no evento de lançamento, foram consumidos 130 litros da Itacoá em quatro horas. Agora, já produzem dois mil litros. Em março, serão três mil litros mais um litro do novo segundo rótulo.
SA: O mercado de cervejas especiais veio para ficar ou passa por um momento de “bolha”?
DT: 2015 foi o ano em que a demanda aumentou muito. Ano passado, fomos impactados pela crise, mas mesmo assim, o setor viveu um bom momento. As cervejas especiais não representam nem 2% do mercado, ou seja, temos muito a conquistar.
Segundo a pesquisa do ICB, as cervejas especiais detém apenas 0,7% do volume total de cervejas no país, com uma produção de 91 milhões de litros anuais. Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa (Sebrae), divulgados em 2015, informam que o Brasil produz, ao todo, 13,4 bilhões de litros anuais de cerveja, o que gera um faturamento para o setor de R$ 12 bilhões. Esse quadro coloca o Brasil no terceiro lugar no ranking de produtores mundiais, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, mas na frente da Rússia e Alemanha.
Também no estudo de 2015, o Sebrae já sinalizava que as cervejas artesanais representavam “um mercado em franca expansão” porque “enquanto a classe C opta pelas grandes marcas, as classes A e B buscam produtos que apresentem diferenciação, atributo fortemente encontrado nas cervejas artesanais”.
Outro dado auspicioso para o segmento divulgado pelo Sebrae, no mesmo levantamento, diz respeito ao aumento da população maior de 18 anos. A estimativa, segundo o estudo, é que 2,5 milhões de potenciais consumidores cheguem ao mercado a cada ano, pelos próximos três a quatro anos.
SA: Com tanto “cigano”, como fica a concorrência entre os produtores?
DT: Existe concorrência, claro, mas é uma concorrência diferente. Há muita camaradagem. Todos se conhecem e frequentam os mesmos lugares. Ajudamos uns aos outros para melhorar receitas e processos. Há o entendimento que tem espaço para todo mundo.
Tosta e seus “concorrentes” integram a recém-criada Confraria dos Cervejeiros de Niterói que conta, até o momento, com 135 integrantes.
Cursos
A JacuMaltes e a Malteria Araribóia têm outra coisa em comum: ambas oferecem regularmente cursos para quem quer iniciar ou se aprimorar na produção de cerveja. São realizados no segundo andar das respectivas lojas. No caso da Malteria, há uma cozinha completa. As turmas costumam lotar rapidamente.
No dia 4 de fevereiro, a JacuMaltes oferece a Oficina de Flavors ministrada pelo sommelier Ivan Azevedo, um dos sócios da Confraria do Marquês, pioneira em curso de produção de cerveja artesanal.
No mesmo dia, a Malteria Araribóia realiza o 7 Curso para Cervejeiro Iniciante, a ser ministrado pelo sommelier pelo ICB Allison Christi, um dos sócios da Cervejaria Araribóia.
Kit para cervejeiro iniciante
Para quem se animou, segue o Kit básico de equipamentos necessários para quem quiser se tornar um "paneleiro". Esse kit foi fornecido pela Malteria Araribóia e permite produzir 10 litros de cerveja
1 CALDEIRÃO HOTEL PLUS Nº28 (13,4L) C/ FURAÇÃO P/REGISTRO - R$ 80,85
1 VÁLVULA EXTRATORA ½ - R$ 34,90
1 FLANGE ½ - R$ 9,40
2 O RING PARA VÁLVULA EXTRATORA - R$ 4,00 (total)
1 GRAIN BAG - R$ 15,00
1 TERMÔMETRO CERVEJEIRO ANALÓGICO TIPO ESPETO - R$ 54,90
1 COLHER DE NYLON MACIÇA 60CM - R$ 38,00
2 BALDE FERMENTADOR ATÓXICO 12 LITROS - R$ 29,80 (total)
2 TORNEIRA PARA BALDE FERMENTADOR - R$ 10,00 (total)
2 VÁLVULA AIRLOCK - R$ 26,00 (total)
2 O RING PARA VÁLVULA AIRLOCK - R$ 3,60 (total)
1 MOINHO PARA CEREAIS COM FUNIL LONGO GUZZO - R$ 169,90
1 ARROLHADOR DE GARRAFAS MANUAL LOTH - R$ 62,00
1 DENSÍMETRO MASSA ESPECÍFICA - R$ 15,90
1 PROVETA GRADUADA 250 ml - R$ 1,00
1 BALANÇA - R$ 32,90
1 PULVERIZADOR - R$ 7,90
1 SANITIZANTE DE GARRAFAS KALYCLEAN S390 500ml - R$ 23,40
1 ESCOVA DE CRINA MÉDIA - R$ 12,90
16 GARRAFA CAÇULA 600ml - R$ 40,00 (total)
1 TAMPA METÁLICA (CORES) PRY-OFF 100 UNIDADES - R$ 11,00
1 ALCOOL 70º - R$ 8,50
TOTAL - R$ 760,85
O Sebrae fornece o passo-a-passo de como montar uma microcervejaria. O material contém desde explicações sobre plano de negócios aos documentos necessários para legalizar o empreendimento, passando por informações fiscais. Veja aqui.
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