Atualmente, no Brasil, apenas 17% da população consome produtos eróticos. Desse total, 70% são mulheres.
Quando a carioca Luciana Walther se deparou com esses dados, no primeiro semestre do seu doutorado no Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ, sua atenção se voltou para esse segmento de mercado e, desde 2007, ela estuda o tema. Professora de Marketing e pesquisadora na Universidade Federal de São João Del Rei (MG), ela dedicou os últimos quatro anos a investigar a relação das mulheres com esse tipo de produto. Suas conclusões estão registradas no livro “Mulheres que não ficam sem pilha: como o consumo erótico feminino está transformando vidas, relacionamentos e a sociedade”, recém publicado pela editora Mauad X. A principal delas: para as mulheres, o vibrador, definitivamente, não substitui o parceiro de carne e osso.
“A academia de Administração, no Brasil, ainda ignora a sexualidade do consumidor. Na área de estudos organizacionais, há pesquisas obre a sexualidade das pessoas que trabalham nas empresas. Na área de Marketing, finge-se que o consumidor não tem sexualidade ou que a sexualidade não é relevante na hora das compras”, comenta ela que mora na cidade mineira de Tiradentes.
Luciana entrevistou consumidoras, vendedoras e proprietárias de sex shops. Esse trabalho de campo foi feito nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais por serem os de maior PIB (Produto Interno Bruto) no Brasil. A pesquisadora explicou que, como a pesquisa foi feita no âmbito acadêmico da Administração, “era necessário realizá-la onde as transações comerciais fossem mais numerosas”.
O mercado
A publicitária Paula Aguiar, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), informou que 2016 registrou um “crescimento tímido” de 3% em relação a 2015. Ela não fala sobre volume total de negócios. Informa, porém, que, no ano passado, foram fabricados 9 milhões de itens, por mês, com ticket médio unitário de R$ 8,00.
Para a Abeme, uma performance positiva em 3% é tímida se comparada a outros períodos. Em 2014, por exemplo, houve um aumento de 8,5% nos negócios, em relação ao ano anterior.
A pesquisadora Luciana observa que trata-se de um segmento “que demonstra resiliência em épocas de crise econômica”. Os produtos mais baratos e para uso a dois, como os cosméticos eróticos, são eternos sucesso de vendas. E o perfil do seu principal consumidor, as mulheres, indica que se trata de um mercado com enorme potencial de crescimento. Afinal, essas consumidoras pertencem a todas as classes sociais - de A a D; têm de 18 a mais de 70 anos e moram tanto nas metrópoles quanto nas cidades pequenas. São de diferentes estados civis e orientações sexuais. Ou seja, para Luciana, a maior ameaça à indústria erótica, não é econômica, mas cultural:
“Enquanto houver machismo e preconceito contra o exercício da sexualidade feminina, seja com produtos seja sem, a indústria erótica no Brasil não conseguirá atingir todo seu potencial. A educação pode ser a solução para diminuir ou aniquilar tabus”.
A presidente da Abeme considera o livro de Luciana “um divisor de águas”. Na sua opinião, trata-se de um “documento importante” para ajudar o setor “a ser visto com seriedade”. Segundo ela, a pesquisa também pode ajudar a sociedade a perceber “como os produtos eróticos mobilizaram mulheres e até transformaram a vida de muitas delas”.
Bate-papo com Luciana Walther
SA: Qual o critério para a escolha das suas “personagens”?
LW: Não impus restrições de classe social, idade, orientação sexual ou estado civil para que o panorama gerado pela pesquisa fosse amplo. Solicitei somente que tivessem usado, pelo menos uma vez na vida, objeto que considerassem erótico ou que tivessem ido a um sex shop. Minhas entrevistadas falaram não apenas dos produtos da indústria erótica, mas também de comidas, bebidas, roupas, tecidos e outros objetos que para elas estão relacionados com erotismo.
SA: Quais suas principais conclusões?
LW: Como, na área de Administração, o tópico de pesquisa “consumo erótico feminino” nunca havia sido pesquisado, as descobertas foram muito numerosas. No livro, relato os fenômenos culturais que emergem nas várias etapas do ciclo do consumo erótico: detecção da necessidade por parte da consumidora, pesquisa por alternativas, ida à loja, escolha de modelos e marcas, aquisição, armazenamento, uso e descarte. Em todas essas etapas, pude identificar aspectos culturais, emocionais, transformacionais, identitários e corporificados do consumo erótico feminino, que são úteis tanto para os empresários do ramo quanto para quem quer entender a sexualidade feminina. Em seguida, discuto valores e crenças das minhas entrevistadas sobre orgasmo feminino, o prazer do outro, a vergonha que sentem no sex shop, o humor como suavizador dessa vergonha, o nojo de certos produtos e práticas sexuais, a possibilidade de apimentar e até resgatar relacionamentos, o autodescobrimento proporcionado pelo consumo erótico e outros ganhos e perdas advindos da participação feminina nessa arena. Na seção seguinte, analiso papeis de gênero, a divisão das tarefas do consumo erótico, o produto erótico como garantia de fidelidade, as confidências que mulheres trocam até mesmo entre gerações, e o consumo erótico pelas camadas populares. Relato ainda descobertas sobre a objetivação das mulheres pela indústria erótica, as transformações que as mulheres atravessam quando consomem produtos eróticos, a personificação dos vibradores que recebem apelidos e exercem funções quase humanas, a qualidade educativa do consumo erótico e os episódios de resistência. Por último, trato das contradições que pude identificar no consumo erótico feminino que, como qualquer outro fenômeno cultural, é repleto de variedade, pluralidade e discrepâncias. Finalmente, refuto o mito de que o vibrador substituiria o homem.
SA: Mito criado pelos homens, certo?
LW: No Brasil, ainda perdura o mito de que o vibrador substituiria o homem. Isso se dá devido a nossas raízes patriarcais e machistas. Homens ainda resistem ao consumo erótico feminino, por temor da autonomia sexual das mulheres. Isso era até de se esperar. O que me surpreendeu foi a refutação do mito. Nenhuma consumidora entrevistada para minha pesquisa disse exercer sua sexualidade exclusivamente por meio do vibrador. Todas as respondentes enfatizaram a importância do uso de produtos eróticos a dois. Para elas, relacionamentos são imprescindíveis. Em sociedades com mais equilíbrio entre os gêneros, esses achados podem não ser surpreendentes. Mas, aqui, minha pesquisa mostrou que esses mitos e temores ainda existem e, ao mesmo tempo, proporcionou sua refutação científica.
SA: Geralmente, há muito preconceito em se admitir o uso de artigos eróticos. Como avalia isso?
LW: As mulheres que consomem produtos eróticos podem ser malvistas na nossa sociedade. Surpreendentemente, ainda há homens que consideram traição o uso individual, por sua parceira, de um produto como o vibrador. O preconceito contra a masturbação feminina não se desfez. Outras pessoas acham que a mulher que usa o vibrador o faz porque não obteve sucesso na busca por um parceiro ou porque seu parceiro não a satisfaz. Muitos associam os produtos eróticos à perversão. São todas ideias equivocadas sobre o consumo erótico feminino, que podem fazer com que a mulher que adquire e usa produtos eróticos tenha vergonha de admitir a prática. O que ocorre, na realidade, é que essas mulheres estão, muitas vezes, em busca de incrementar a relação, comprando produtos para uso a dois, como os cosméticos eróticos e as fantasias. Outras buscam acentuar o próprio prazer com aparelhos desenvolvidos cuidadosamente para facilitarem a obtenção do orgasmo. E não deveria haver julgamento moral sobre nada disso. O exercício da sexualidade faz parte da nossa natureza. Se não fosse por ele, nenhum de nós existiria. Além disso, é uma fonte de prazer que, sendo consensual, não faz mal a ninguém.
SA: Sofreu preconceito na Academia por conta do tema da sua pesquisa?
LW: Além da riqueza dos dados comerciais, a pesquisa contém uma riqueza de descobertas sociais e culturais emergentes do consumo erótico feminino. Esse tema não pode mais ser tabu para a Academia de Administração. Outros campos científicos têm discutido sexualidade há tempos e feito importantes descobertas: a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a Medicina, a História.
SA: Costuma consumir artigos eróticos?
LW: Desculpe, como acadêmica falo apenas da minha pesquisa. Procuro tratar deste tema com distanciamento, como pesquisadora. Não me leve a mal.
SA: Pretende desenvolver alguma outra pesquisa sobre o tema?
LW: Sim. Pretendo voltar a campo para entrevistar as mesmas consumidoras, passados alguns anos. Outro foco possível para pesquisa futura diz respeito aos parceiros das consumidoras de produtos eróticos. Até agora, os homens que surgiram em minha pesquisa foram descritos pelas mulheres. É a ótica das mulheres sobre aqueles homens. Seria interessante dar voz aos próprios e entender diretamente suas reações ao consumo erótico feminino.
Bate-papo com Paula Aguiar, paulista, 49 anos, há 6 como presidente da Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico e Sensual. A Abeme foi criada em 2002.
SA: Como avalia o mercado de produtos eróticos atualmente?
PA: Em 1995, apenas 0,5% da população consumia produtos eróticos. Agora, são 17%. Nós evoluímos muito. Há um olhar de curiosidade em relação aos nossos produtos. Nos últimos dez anos, quebramos vários tabus. Houve uma transformação nos próprios produtos, nas embalagens, na capacitação dos profissionais. Isso gerou uma mudança na nossa economia, inclusive com a mudança do perfil de consumo. No começo, os homens eram os principais consumidores, agora, são as mulheres. Nosso mercado já enxerga a questão relacional do casal, a necessidade de intimidade, a importância do produto para a saúde sexual e o empoderamento sexual da mulher.
SA: Quais as principais características desse mercado?
PA: Identificamos que as mulheres da classe A preferem comprar nas lojas físicas; a classe B, pela internet e a classe C com as revendedoras. Temos, pelo menos, 85 mil consultoras. O produto best-seller é o gel de morango para sexo oral.
SA: Quais as estratégias para atrair os 83% da população que o segmento não alcança?
PA: Vamos intensificar nossa participação em bazares e eventos. Existe um consumo envergonhado que diz respeito aos vibradores e acessórios fálicos, que continuarão a ser comercializados nos sex shops. Porém, a cosmética sensual é responsável, atualmente, por 33% das vendas. Esses produtos podem ser vendidos em qualquer espaço. São preservativos, gel lubrificantes, óleos, além das lingeries que o consumidor pode ter contato nos ditos “espaços normais” de comercialização. Além disso, vamos cada vez buscar mais a segmentação do mercado. Existem produtos diferentes para as diferentes tribos. Para mim, a grande novidade do setor para 2017 será o lançamento de produtos voltado para o mercado erótico social e para a saúde sexual. Ainda não posso adiantar detalhes. Essas novidades serão anunciadas na Sex Fair (de 18 a 23 de abril, no Centro de Convenção Sul América, na Cidade Nova, Rio de Janeiro).
SA: No livro “Mulheres que não ficam sem pilha...”, as consumidoras fizeram algumas reclamações e sugestões para o mercado de produtos eróticos. O que o mercado considerou importante e pretende acatar?
PA: São informações muito importantes. A principal delas diz respeito ao descarte do vibrador. Essa é uma questão delicada e vamos estudar a possibilidade de descarte nos sex shops. Pretendemos implantar isso o mais rápido possível, começando por São Paulo.
SA: Mesmo com o preconceito que existe em relação a esse mercado, o filme “De pernas para o ar” foi campeão de bilheteria e o programa da TV Globo “Amor e sexo” é sucesso de audiência. Como encara isso?
PA: Sobre o programa de TV sou suspeita porque adoro. Ele leva para o grande público debates importantes. Quanto ao filme, de certa forma, colocou seus 3 milhões de espectadores dentro de uma sex shop e mostrou a importância desse lugar. Em uma sex shop, a mulher pode falar o que quiser que não será julgada. E elas falam coisas que não têm coragem de falar nem para o analista. O filme foi importante para quebrar tabus. Para mostrar que uma sex shop é um local onde uma mulher é bem acolhida. Essa loja é, na verdade, um local de utilidade pública da sociedade brasileira.
8 dicas para observar antes de comprar e usar um produto erótico
1. Preferência pessoal
O que é bom para uma pessoa não necessariamente será tão incrível assim para outra. Cuidado com as alergias. Sempre verifique as informações na embalagem quando você está comprando um brinquedo sexual para se certificar de que é seguro para você.
2. Comece simples
Se você é novato no uso de sextoys, não escolha o brinquedo mais intimidante (maior, mais caro, mais hightech) da loja. Comece com os pequenos, mais simples e fáceis de manipular.
3. Pense limpo
Os brinquedos sexuais devem ser limpos antes e depois de cada uso. Existem higienizadores específicos para acessórios. Não use lenços de bebê. Não guarde seus brinquedos sexuais antes de estarem totalmente secos.
4. Pesquise
Os comentários na Internet e os blogueiros do YouTube podem ser super úteis quando se trata de escolher o produto erótico certo. Bons sites de sex shops fornecem vídeos explicativos sobre todos os produtos para que você possa aprender a usá-los com segurança.
5. Considere o armazenamento
Você precisa ter cuidado ao armazenar produtos eróticos. Eles podem ser bastante “reativos” quando colocado ao lado de determinados materiais ou se opor quimicamente a outros.
6. Seja honesto com seu parceiro
É melhor ser honesto e direto com seu parceiro (a) sobre o uso de acessórios sexuais e qualquer desejo particular que você tenha.
7. A comunicação é fundamental
Experimente usar vibradores em todas as partes do corpo . Se vier a ser estimulado em um ponto de prazer em particular, deixe seu parceiro (a) saber que ali é sua nova zona erógena favorita.
8. Segurança em primeiro lugar
Sempre use apenas o brinquedo sexual para a finalidade para a qual foi projetado. A segurança é a primeira consideração do bom fabricante de produto erótico, tanto para acessórios, quanto cosméticos. E o mais importante: use preservativo. Além de aumentar a vida útil do seu acessório, garantirá a melhor higiene do aparelho.
Fonte: Abeme
Autoria: Paula Aguiar
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